Comemoram-se este ano 50 anos do 25 de Abril de 1974. A importância dessa data não poderá nunca ser reforçada o suficiente. Nesse dia, pela primeira vez na história, uma ditadura Fascista era derrubada de forma consequente e sem possibilidade de retorno.
O bom que é fim do Fascismo parece ser evidente por si mesmo. Mas os tempos modernos mostram-nos que não é evidente. O Fascismo aparece retractado tão só como um conservadorismo mais duro, onde se dão “uns safanões a tempo”. O Fascismo aparece como uma ideologia de valores, onde todos são respeitados.
No Portugal Fascista, em 1970, a taxa de mortalidade infantil era a 2ª mais alta de todo o continente europeu, hoje temos das mais baixas. O Portugal Fascista mobilizou, proporcionalmente, mais jovens para a guerra colonial em África do que os EUA para a guerra do Vietnam. O Portugal Fascista relegava a mulher para o papel de apêndice do homem. O Portugal Fascista matava aqueles que tentassem levantar a sua voz.
Este texto foi publicado inicialmente no BOM DIA
Inserida nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, a Embaixada de Portugal no Luxemburgo, em parceria com o Instituto Camões, apresenta uma conferência com o título “A Revolução portuguesa do 25 de Abril de 1974 – 50 anos depois”. Dizem, os organizadores, serão abordados “a transição democrática”, “a singularidade” da revolução portuguesa, e “o fim do império”. Isto, claro, “através de perspectivas históricas distintas” pela voz dos historiadores Fernando Rosas e Jaime Nogueira Pinto.
É sobre este último que recai a minha atenção. As posições de Jaime Nogueira Pinto sobre o regime Fascista português são sobejamente conhecidas. Numa entrevista ao Jornal I, em 2017, quando perguntado se se sentia do lado dos derrotados do 25 de Abril a sua resposta é “sinto que o Portugal de que gostava, o Portugal do império, ia acabar.” Mas há mais, o conferencista em questão é um autor profícuo, é, portanto, fácil reconhecer-lhe a palavra, e a partir dela a ideia. Não se eximiu a escrever uma biografia a vangloriar o tão bom trabalho do ditador português. De dedicar um outro livro a chorar a “queda (…) de uma nação singular”, do seu saudoso império. Ou ainda outro a decretar como os anos do fim de Portugal, aqueles que precederam a Revolução de Abril. Tudo em Jaime Nogueira Pinto carrega o bafiento mofo da sua reverência ao Fascismo.
E é este o conferencista que a embaixada portuguesa no Luxemburgo, fiel aos princípios que a regiam antes dessa madrugada histórica que poria fim à longa noite fascista, julga ser necessário apresentar para nos esclarecer sobre o império. Um império só o é porque oprime. Um império só o é porque subjuga. Um império só o é porque rouba. Um império só o é porque coloniza. Um império é sempre, mas sempre, racista.
A outra perspectiva do fim da ditadura Fascista portuguesa é o Fascismo. O que a embaixada portuguesa no Luxemburgo nos diz é que o Fascismo e o fim deste estão ao mesmo nível. Pois não estão. Um tiraniza e ou outro liberta, um destrói e o outro constrói. Se a embaixada portuguesa no Luxemburgo quisesse realmente apresentar outra perspectiva teria convidado historiadores africanos. Esses sim, dar-nos-ão a outra perspectiva. A perspectiva de quem ganhou a liberdade, de quem pode deixar de ser cidadão de segunda, de quem deixou de precisar de baixar a cabeça e dizer “sim patrão”.
Esta organização da embaixada do meu país envergonha-me. Terei os meus amigos africanos que me irão perguntar como pode a minha embaixada dar voz a quem lhes quer retirar o direito ao seu país. Terei de lhes dizer que não sei, que tenho vergonha da minha embaixada. Terei de lhes pedir desculpa porque aqueles que são supostos representar o meu país julgam que ter-lhes roubado a terra e a vida durante séculos é tão só “uma perspectiva”.
É caso para perguntar se para o 10 de Junho a surpresa que a embaixada nos traz será a celebração do dia da raça.
Fascismo Nunca Mais!