Há 2015 anos, reza a lenda, uma mulher grávida e o seu marido procuravam numa das províncias remotas do Império Romano um abrigo onde trazer ao mundo o seu filho.
Hoje, no local por onde então esse casal passou, ergue-se um muro que separa os seus descendentes das suas terras e, mais importante, dos seus poços de água.
Mas troquemos de “império”. Hoje a “capital” será Bruxelas e as “remotas províncias” a Bulgária ou a Hungria.
Hoje, nas fronteiras extremas do império, erguem-se muros. Temos hoje mais muros em torno da União Europeia do que aqueles que tínhamos quando nos defendiamos dos terríveis comedores de criancinhas do Pacto de Varsóvia. Temos hoje distância de muros DENTRO da união europeia do que tínhamos em torno da sitiada Berlim.
Hoje Maria teria que parir no meio do deserto. José não teria onde encontrar comida ou assistência médica. E, ainda que por, este sim verdadeiro, milagre entrassem no “império”, depois de atravessar a pé metade dum norte de África em guerra. Depois de atravessar em barcaças um Mediterrâneo que lhe deu o privilégio de não os engolir para depois vomitar sem vida. Depois de atravessar a pé uma Europa onde neste outono floresceu mais o arame farpado que a flor de laranjeira. Depois de serem fechados em campos de concentração na Hungria e alimentados, como animais, com parcos viveres jogados sobre o redil. Depois de verem os seus valores retirados pelo governo dinamarquês (projecto de lei em análise neste momento).
Depois de tudo isso deixá-los-iamos acantonados. E o Jesus Menino nasceria no meio do que de mais indigno e humilhante a Europa tem hoje para mostrar: a Selva, de Calais, onde milhares de não-Homens se amontoam numa não existência, num limbo legal e humano.
Depois de lhes bombardearmos, ou ajudarmos a bombardear, as casas e os obrigarmos ao maior êxodo depois da Segunda Grande Guerra deixamo-los assim a não existir.
Se fosse nos dias hoje, Maria e José não chegariam a Belém e, como tal, não haveria Natal.
Quando estiveres entre os teus a desejar as boas festas lembra-te dos que são mortos na Síria por armas ocidentais. Quando estiveres entre os teus a abrir uma garrafa lembra-te dos que estão a morrer no Mediterrâneo.
Quando estiveres entre os teus e olhares as decorações de Natal lembra-te dos que têm na Áustria e na Hungria o arame farpado como único horizonte.
Quando estiveres com os teus e te aqueceres à lareira lembra-te que hoje Jesus nasceria na fria selva de Calais.
Boas Festas…!?