O Presidente da Junta

Pensei bem mais tempo do que é costume sobre se deveria escrever este texto. E, ao fazê-lo, como o deveria escrever, de que deveria falar, e o quão incisivo deveria ser. Está aqui o que saiu.

No fim de Abril o jornal luxemburguês Land trazia um texto sobre “o lobby dos portugueses” no Grão-Ducado. O texto percorre alguns dos eventos no seio da Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo que poderão ter levado ao seu encerramento – anunciado nessa publicação pela primeira e única vez. Mas o que esse texto não explora, também em virtude do público a que se destinava, é o processo que levou a essa implosão no mais ensurdecedor dos silêncios que acometeu a CCPL.

Nesse texto a autora, a Liliana Miranda, pega numa frase minha dita aquando da troca de ideias que teve comigo na preparação do seu opus: que eu não via em Paula Martins a veleidade de querer ser “o rei ou a rainha dos portugueses do Luxemburgo”. E é precisamente aqui que eu vejo o cerne da questão.

O fim, que laconicamente o periódico luxemburguês anunciou nas suas páginas fazendo eco das palavras da presidente em exercício da CCPL, passou como árvore caída no meio da floresta, lá onde ninguém a vê. Mas a maleita que contou os dias àquela que, podemos dizer seguramente, foi a maior aventura associativa portuguesa no Luxemburgo é bem mais antiga e enraizada. E expande-se muito para lá da CCPL sendo algo intrínseco à quase totalidade dos figurões portugueses no Luxemburgo. Mas primeiro a CCPL.

Para perceber o que se passou é necessário entender que a direcção da CCPL foi, se não desde o início pelo menos durante a última década, controlada por membros da organização local do PS. E isto, como não poderia deixar de ser, sempre causou urticária ao PPD e aos seus militantes locais. Talvez aqui uma correcção deva ser feita, o controlo e a urticária seria mais objecto dos militantes que orientação política das estruturas propriamente ditas. Pelo menos no que toca ao PPD.

Para quem seguisse a CCPL era certo, desde a Primavera de 2021 quando, após conversar com a Paula Martins, foram garantidas condições para que fosse organizado um novo congresso da CCPL. O grupo de pessoas que se disponibilizaram para me auxiliar nesta contenda, e para evitar todo o tipo de costumeiras acusações de que o que se estava a preparar era um assalto ao poder, iriam comprometer-se que não viriam a ocupar cargos nos órgãos sociais no próximo mandato – esta foi uma condição imposta por mim aquando das démarches para constituição da equipa e foi prontamente aceite por todos. Por todos menos por um dos arregimentados que é próximo do PPD.

Assim, garantidas as condições, propus à presidente da mesa do congresso da CCPL – que tem como funções convocar, propor agenda, e presidir às reuniões do conselho – que incluísse a convocatória do congresso na ordem de trabalhos da reunião subsequente. A pretexto de que a associação não tinha contas aprovadas dos últimos 2 anos esta proposta foi recusada e a proposta esboroou-se. A não aprovação de (pelo menos) dois anos de contas demostra o desleixo com que foi gerida a CCPL. Essa incapacidade de funcionar instalou-se pouco depois do último congresso, em 2018, onde a Paula deixou a presidência que tinha desde 2015 e transmitiu com o cargo a Elisabete Soares, elemento activo do PS e do LSAP. A forma como o congresso se desenrola, que se saldou por ter 24 eleitos ao conselho propostos por tão só 3 associações (uma delas a própria CCPL), por entre um total de 30, evidenciou bem o que se preparava. Com o PPD tendo finalmente conseguido o controlo de um dos órgãos da CCPL, a mesa do congresso, os tempos só poderiam ser de conflito. A posição prática seguida pela mesa foi a de entravar e mesmo boicotar a pouca abertura ao conselho que a direcção ia tendo.

O consulado de Elisabete Soares, que viria a demitir-se em Dezembro de 2020, foi marcado por uma conflitualidade constante. Foi também dela uma iniciativa de retirar o pendor político, e com ele se iria de vez a possibilidade de ligação à massa social, numa proposta de revisão de estatutos que me pediu para rever em 2019. Tive ainda o desprazer de trabalhar para Elisabete Soares no quadro da Maison des Associations e posso testemunhar do assédio moral a que eram submetidos os meus colegas por parte da direcção. Fazendo fé nos ecos que vão chegando será seguro presumir que o modelo de gestão, “moderno” e de submissão cega dos subalternos, utilizado na Maison des Associations fosse o mesmo que o utilizado na CCPL. Seria ainda interessante perceber como se mantém Elisabete Soares presidente da Maison des Associations quando já não representa nenhuma das estruturas que a integram… coisas da vida.

A CCPL navegou à vista, sem orientação estratégica e sem capacidade de decisão e implementação de projectos. Prova disso é a inépcia total em adaptar a formação, como fizeram muitas outras associações, em período de pandemia e mesmo de gerir de forma séria projectos financiados pelo governo português – um deles vi o financiamento objectivamente bloqueado por incapacidade de produzir a documentação necessária à prova de bom andamento do projecto. O demando foi de tal ordem que se podem estimar em perto de uma centena de milhares de euros as dívidas da CCPL – sem que a direcção actual seja capaz sequer de dizer quanto deve e a quem. Culpa disto será também do tesoureiro eleito em 2018 que, tendo abandonado o barco, se recusou a passar a documentação necessária a boa continuação do trabalho. Tudo isto sempre à porta fechada sem que a comunidade portuguesa no Luxemburgo, aquela que se outorgam representar, fosse vez alguma tida em conta. Essa falta de transparência é, aliás, crónica. Quando em vésperas do congresso de 2018 pedi que as actas das reuniões de direcção e de conselho estivessem disponíveis para consulta foi respondido que não era possível, argumentando com dificuldade logísticas.

Portanto, entre ter um responsável do polo de formação próximo do PS, entre 2015 e 2018, que era (pelo menos até 2015) o formador com maior número de horas atribuídas, até ter uma mesa do congresso próxima do PPD que fez questão de não permitir que se tentasse uma solução, os culpados são muitos. Com o denominador comum de TODOS serem membros dos dois maiores partidos portugueses. Confirma-se assim a alegação de Liliana Miranda nas páginas do Land de que a CCPL tinha perecido numa guerra de clãs.

Mas como disse acima… esta não é uma maleita exclusiva da CCPL – ainda que seja este o meu foco principal neste texto. Todo o “sistema de representação” dos portugueses é pejado dum compadrio e dum secretismo ao nível, julgo correcto dizê-lo, de uma omertà. Temos um Conselho Consular do qual nada se sabe além de que existe – e mesmo isso é presumir que a lei é seguida. Não se lhe conhece a composição, cadência de reuniões, deliberações, posições… nada. É o mais opaco dos órgãos. Temos representantes ao Conselho das Comunidades Portuguesas de quem não se conhece opinião pública sobre nada tirando, um deles, a promoção do seu querido PPD, até na página da “sua” associação humanitária. Um deles, a dada altura, tendo-se, entretanto, demitido, não via mesmo inconveniente alguém em representar os portugueses do Luxemburgo morando em Portugal.

No entanto, e apesar de todo este territorial pissing os nossos figurões sabem que aquilo que os sustenta é o status quo. É esta jogo do empurra a dois, e sempre só a dois, que permite que ninguém de fora desses círculos possa de facto ter hipótese de se dedicar à comunidade portuguesa, de lhe dar a atenção e leitura que necessitam, se fazer valer os seus direitos face às autoridades luxemburguesas e às autoridades portuguesas. Incapazes na sua grande maioria de ver além do próprio umbigo e os demais simplesmente desprovidos de visão alguma (ou os dois, como é a maior parte das vezes) acham que o mundo só anda tendo à frente um capataz. O poder exerce-se pela imposição e o diálogo e a inclusão não são nunca uma opção.

No fundo, querem é todos ser Presidentes da Junta…