O gajo que morreu era Vladimir Makey, ministro dos negócios estrangeiros da Belarus – não diz muito este nome, vou utilizar o que aparece comummente nos jornais e pasquins: Bielorrússia. Agora sim, fez-se luz. Tem Rússia no nome, portanto é parte do feudo do Putin. O gajo até tem o mesmo nome: Vladimir – são todos iguais. Menos os ucranianos. Está resolvido. Próximo.
Só que não… não está… Vladimir Makey seguramente sabia muito, não saberia demais no sentido que se pretende por aí utiliza, nem era inconveniente, e era mais do que alinhado com o poder em Minsk – fazia aliás parte do núcleo duro de Lukashenko (para quem não saiba é o presidente da Bela… perdão, Bielorrússia desde 1993), não tivesse ele sido ministro dos negócios estrangeiros durante 10 anos num país em que ministros sobem e descem ao ritmo das estações do ano.
Makey foi o arquitecto da aproximação da Belarus à União Europeia durante a década de 2010. Implementou zelosamente as instruções de Minsk que pretendia a essa altura ganhar mais espaço de manobra face à Rússia. Quando a opção política, na consequência das chamadas de atenção de Bruxelas face à violência com que Minsk reprimiu os protestos pacíficos em 2020, foi a de endurecer o tom face ao ocidente, Makey lá esteve na primeira linha seguindo sem hesitações a linha determinada por Lukashenko.
Portanto… a teoria do castigo pelo regime não cola. Tal como não cola a explicação da cisão com Moscovo e muito menos a da dominação da Bela… perdão, Bielorrússia por parte do Kremlin. Simplesmente porque, e contrariamente ao que a totalmente desinformada imprensa ocidental veicula, a Belarus é um país de corpo inteiro e tão ou mais independente, pelo menos até às sanções da União Europeia implementadas depois do acto eleitoral de 2020, que muitos dos países da UE.
Em 1999 foi assinado entre a Belarus e a Rússia, na altura presidida por Boris Yeltsin (portanto antes do consulado de Putin), o tratado fundador do Estado União entre os dois países. Desde essa altura perto de 30 protocolos de integração foram assinados, em áreas tão distintas como o fim do roaming ou a união aduaneira, o reconhecimento mutual de vistos ou uma moeda única. De todos estes protocolos só uma pequena parte foi ratificada por Minsk e a sua implementação resta muito limitada.
No entanto a Moscovo sempre teve interesse em manter a Belarus como elemento independente, quando as relações com a União Europeia se agudizavam a Belarus servia sempre de porta de passagem entre a Rússia e a União Europeia – algo que Makey soube promover com uma mestria a toda a prova.
Com a morte de Makey desaparece a União Europeia perde o único ponto de contacto conhecido na Belarus. Alguém que colocou sempre em primeiro plano a política do seu país, mas que sempre soube construir pontes quando estas foram necessárias e possíveis. De tal forma que em Maio o ministro dos transportes de Lituânia chegou a propor que um corredor ferroviário fosse aberto através da Belarus para escoar o cereal ucraniano.
A imprensa ocidental séria dá algum reflexo disso mesmo, dessa capacidade de fazer pontes. Mas as caixas de comentário mostram outra realidade. Mostram uma realidade duma sociedade em ponto rebuçado, pronta para explodir. Entre a total ignorância sobre ser a Belarus um país independente, forçado a uma maior dependência da Rússia por via das inconsequentes sanções que lhe são impostas, e o axioma primeiro da escola de relações internacionais de Varsóvia, em que tudo o que acontece à oriente do Bug (ou mesmo do Oder) é da responsabilidade de Moscovo, o condicionado useiro da caixa de comentário salta espumando a gritar “Rússia… Rússia…”
Este caso é paradigmático da ignorância de tudo o que se passa agora na Ucrânia. Ninguém de facto sabe seja o que for desse zona da Europa. Muitos não sabiam sequer localizar a Ucrânia no mapa, muitos ainda não sabem, mas são especialistas em geopolítica. Outros sem distinguir uma pistola dum regador conhecem tudo sobre misseis.
É este o ponto a que chegámos, ao domínio do axioma primeiro a escola de relações internacionais de Varsóvia. Foi isto que produziram meses de propaganda cerrada: uma xenofobia, desta feita contra a Rússia e os russos, sem igual na história desde os anos 30 do século passado. De qualquer forma… para lá do Bug são todos iguais. Que importa, não é?
Todos… menos os ucranianos, claro.